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Fogo na Amazônia foi criminoso e organizado por fazendeiros diz PF

Junior Castro

Fogo na Amazônia foi criminoso e organizado por fazendeiros diz PFImagem aérea de queimadas na cidade de Altamira, Estado do Pará. (Foto: Victor Moriyama / Greenpeace)

Os principais suspeitos pelo “dia do fogo” na Amazônia, ocorrido nos dias 10 e 11 de agosto, são fazendeiros, madeireiros e empresários, segundo investigações das polícias Civil e Federal de acordo com a reportagem da Repórter Brasil.

Também segundo a polícia, os responsáveis fizeram uma “vaquinha” para pagar os custos do combustível —uma mistura de óleo diesel com gasolina—, usado para alastrar as chamas. Além disso, contrataram motoqueiros para entrarem nas estradas de terra próximas à floresta espalhando o líquido inflamável.

Após a queima coordenada de pasto e de áreas em processo de desmate, a cidade de Novo Progresso, no Pará, sofreu um aumento de 300% em casos de focos de incêndio naqueles dois dias.

Um dos primeiros suspeitos ouvidos pela Polícia Civil é Agamenon Menezes, presidente do Sindicato dos Produtores Rurais da cidade e alvo de operação de busca e apreensão da Polícia Federal nesta terça-feira (22).

Notebook apreendido na operação Pacto de Fogo, em Novo Progresso, sudoeste do Pará — Foto: Polícia Federal/Divulgação
A Polícia Civil já estava investigando o empresário Ricardo de Nadai, proprietário da loja Agropecuária Sertão. Ele teria sido o criador de um grupo de WhatsApp chamado ‘Sertão’, com 70 integrantes, onde foram combinados os detalhes sobre o “dia do fogo”.
Os detalhes sobre o ataque incendiário foram costurados no grupo Sertão, mas as conversas sobre a ação começaram em outro grupo, com 256 pessoas, chamado Jornal A Voz da Verdade. Nesse, estavam presentes também autoridades da região, como o delegado da Polícia Civil Vicente Gomes, chefe da Superintendência da Polícia Civil do Tapajós, sediada em Itaituba (a 400 km de Novo Progresso).

Gomes determinou que o delegado de Novo Progresso não repassasse à Polícia Federal os depoimentos que já haviam sido tomados pela Polícia Civil na cidade. O fato deteriorou a relação entre as duas instituições responsáveis pela investigação.

O acordo entre fazendeiros e madeireiros que resultou no “dia do fogo” foi revelado em 5 de agosto pelo jornalista Adécio Piran, do site paraense Folha do Progresso. Após a publicação, Piran ficou fora da cidade por dois meses após ter recebido ameaças de morte.

Os responsáveis pelo fogo também dificultam as investigações, segundo um policial federal que apura o caso e que foi ouvido pela Repórter Brasil na condição de anonimato. O policial afirma que os fazendeiros da região são bem relacionados com deputados e senadores do Pará e têm interlocução com o alto escalão do governo federal.

Ele destacou ainda o poder do Sindicato dos Produtores Rurais de Novo Progresso, que tem influência na Federação da Agricultura e Pecuária do Pará (Faepa). Essa, por sua vez, é próxima da Frente Parlamentar Agropecuária, a chamada bancada ruralista.

Um dos principais representantes dos ruralistas no governo federal, o secretário especial de Assuntos Fundiários, Luiz Antônio Nabhan Garcia, esteve em Castelo dos Sonhos, distrito de Altamira vizinho a Novo Progresso, para participar da Festa do Boi no Rolete no início de setembro. Nabhan Garcia atribui parte da culpa dos incêndios na Amazônia aos povos indígenas e disse, durante Comissão do Meio Ambiente no Senado, que os produtores rurais não são responsáveis pelas queimadas. Entre os convidados do Boi do Rolete estava Agamenon Menezes.

Além das pressões dos envolvidos, a investigação sobre o “dia do fogo” foi prejudicada pela rixa entre as polícias Federal e Civil. A disputa entre as organizações começou em novembro de 2018, quando três policiais federais foram presos por policiais civis e militares em Novo Progresso. Após o caso, um delegado da Polícia Civil de Novo Progresso foi afastado do cargo.

As investigações também esbarram em desafios logísticos, já que a delegacia da PF em Santarém fica a 700 km de Novo Progresso. A de Altamira fica a 970 km de Castelo dos Sonhos.

O procurador Paulo de Tarso Moreira de Oliveira, do Ministério Público Federal em Santarém, também participa das investigações e afirma que o objetivo do “dia do fogo” era inviabilizar a fiscalização ambiental diante da profusão de focos de incêndio.

“Investigamos se as lideranças locais se associaram para mascarar a identificação da autoria, porque não há fiscalização capaz de fiscalizar tantos focos ao mesmo tempo”, afirma Oliveira. “Dizer que não aconteceu o ‘dia do fogo’ é ignorar claramente as informações dos satélites.”

Em toda a Amazônia, as queimadas no mês de agosto foram as maiores desde 2010, com aumento de 196% neste ano em comparação com o mesmo mês de 2018 (31 mil focos contra 10 mil).

A destruição da floresta tropical despertou interesse mundial e a reação de chefes de Estado. Em seu discurso de abertura no 74° Congresso da ONU, em 24 de setembro, o presidente Jair Bolsonaro negou a existência das queimadas.

Dois meses depois do “dia do fogo”, porém, ainda há grandes trechos de floresta queimada nas estradas de terra que partem da BR-163. Há também destruição dentro da Flona (Floresta Nacional) Jamanxim e da Reserva Biológica Nascentes Serra do Cachimbo.

O DIA DO FOGO

  • A queima coordenada de pasto e áreas em processo de desmate ocorreu nos dias 10 e 11 de agosto, no entorno da BR-163, no sudoeste do Pará;
  • Principal cidade da região, Novo Progresso (1.643 km a sudoeste de Belém) sofreu um aumento de 300% em casos de focos de incêndio do dia 10 em comparação com o dia anterior, com 124 registros. No dia 11, foram 203 registros;
  • Em Altamira, cuja parte do território está na área de influência da BR-163, o salto foi ainda maior: 743%, com 194 casos.