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Brasil

Preço da carne dispara: entenda o que causou o aumento

Junior Castro

Preço da carne dispara: entenda o que causou o aumento

A carne bovina sofreu forte reajuste nas últimas semanas, chegando ao segundo preço mais alto desde o Plano Real. A arroba do boi gordo -equivalente a 15 quilos- está custando por volta de R$ 200. De acordo com dados do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea) da Escola de Agricultura da Universidade de São Paulo (USP), entre 31 de outubro e o final de novembro o preço real da carne aumentou em 35,3% em São Paulo.

O Estado conversou com Thiago Bernardino de Carvalho, pesquisador do Cepea/USP, para mapear quais acontecimentos dos últimos anos foram determinantes para a situação. Entenda, ponto a ponto, o que criou a crise de oferta e demanda:

  1. Crise econômica brasileira: diminuição da demanda e preços comprimidos

    Com o início da crise econômica em 2013, o rendimento médio das famílias brasileiras caiu e o consumo foi sendo gradativamente reprimido.

    De acordo com Thiago Bernardino, a carne bovina é um produto que possui “alta elasticidade”. A chamada elasticidade de demanda determina quanto uma variação de preço afeta as vendas de um produto: quanto maior a elasticidade, mais o item é influenciado pelas flutuações do mercado.

    Como a carne tem alta elasticidade, isso significa que um aumento de preço faz com que a população reduza fortemente o consumo, especialmente as classes mais baixas. Em meio à crise econômica, portanto, a demanda diminuiu e os preços caíram. A situação se prolongou pelos três anos seguintes.

  2. Seca prolongada e adiamento da engorda de bois: menor oferta

    Thiago Bernardino explica que o ciclo reprodutivo dos bovinos passou por grandes transformações nos últimos anos, que aumentaram a produtividade dos rebanhos. “Há 20 anos, cem vacas em 250 hectares pariam 40 bezerros, cada um chegando a um peso médio de 170 kg. Hoje, essas mesmas cem vacas ficam em 150 hectares e dão 65 bezerros, que atingem o peso médio de 210 kg cada um”, explica ele.

    A engorda dos bezerros, porém, foi prejudicada pelas condições climáticas. A região central do Brasil enfrentou uma forte seca entre 2014 e 2015, que devastou os pastos. Sem alimento, grande parte dos bois não conseguiu ganhar peso e os cortes demoraram mais que o previsto.

    Em meio à demora na engorda dos bezerros, os produtores decidiram realizar maior abate das fêmeas para suprir a demanda de carne. O problema é que, a longo prazo, o abate das vacas representou uma forte diminuição na quantidade de bezerros disponíveis para novos abates.

    De acordo com Thiago Bernardino, a engorda dos bois voltou a ser problema em 2019. Boa parte dos produtores não contava com o aumento da demanda registrado neste fim de ano e adiou a engorda, ou tratamento, do rebanho.

    O chamado tratamento é o fornecimento de ração durante os períodos de seca, em que não há pasto disponível. Quando houve aumento da quantidade demanda, os bois ainda não haviam ganhado peso suficiente para o abate, agravando a redução da quantidade ofertada.

  3. Peste Suína na China: aumento da exportação de carne brasileira

    Um fator externo foi determinante para a crise no preço da carne brasileira. A China enfrentou neste ano um surto de peste suína africana (PSA), que dizimou criações de porcos para abate. Em meio à crise dos porcos e substituição pela carne bovina, foi preciso aumentar substancialmente a importação do produto. Os chineses chegaram a pagar 15% acima do preço de mercado pela carne bovina, fazendo com que o Brasil exportasse cada vez mais. Outro fator que tornou a carne brasileira especialmente competitiva no mercado internacional foram os recordes históricos alcançados pelo dólar, que chegou ao valor nominal de R$ 4,27 na última terça-feira, 26.

    O aumento das exportações diminuiu a quantidade de carne disponível no mercado interno brasileiro enquanto a demanda permaneceu estável, o que causou o aumento dos preços para os brasileiros.

  4. Festas de fim de ano e liberação de recursos do FGTS: aumento da demanda interna

    Com a diminuição da oferta e o aumento brutal da demanda por exportações, outro fator foi determinante para desequilibrar a relação de oferta e demanda.

    Após três anos de recessão, as famílias brasileiras passaram a demonstrar sinais de recuperação econômica. O desemprego registrou um sutil recuo e o governo tomou medidas para aquecer o consumo, como a liberação de R$ 500 de contas ativas e inativas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

    Esse aumento da demanda interna fez com que os preços tivessem reajustes que não ocorriam há anos. “Nossa demanda interna vem melhorando aos poucos, a economia dá sinais de recuperação. Com isso, qualquer melhora representa aumento do preço”, explica Bernardino. Além disso, a liberação de recursos coincidiu com o final de ano, em que tradicionalmente a demanda por carnes é maior.

  5. Alta do preço da carne: aumento da procura por ovos, frango e carne suína

    A população mais pobre que não puder arcar com os novos preços da carne bovina acaba buscando alternativas mais baratas de proteína, como os ovos, o frango e o porco.

    O aumento da demanda dessas categorias também representa, de imediato, a alta de preços. De acordo com um estudo de pesquisadores do Cepea, o preço da carne suína atingiu recordes nominais desde julho de 2010. Descontada a inflação, a carne suína em Minas Gerais alcançou o maior valor desde janeiro, enquanto em São Paulo o produto atingiu o maior preço desde fevereiro de 2017. Houve recorde também nos Estados da região Sul, com carne mais cara desde janeiro de 2015.