Um telefone vermelho compunha a mesa de José Sarney no Palácio do Planalto, entre 1985 e 1990. Pouquíssimas pessoas conheciam o número dele: era para ser usado apenas em situações de emergência. Além de militares de alta patente, o ex-presidente conta que passou seu número secreto para uma pessoa. Irmã Dulce podia lhe chamar quando quisesse.
“Esse telefone era o que eu atendia as altas patentes militares, que diziam respeito à segurança nacional. Era um telefone estratégico para decisões do presidente. Eu dei o número dele para a Irmã Dulce. E confesso que ela não abusou. Ela me ligou apenas duas vezes em cinco anos de governo”, lembra, em conversa com o GLOBO.À frente da mesa com uma imagem de Irmã Dulce, no escritório em que recebe políticos em Brasília, Sarney conta que, nas duas ocasiões, Irmã Dulce apelava por mais leitos no hospital em que socorria mendigos que tirava da rua. O ex-presidente diz que pediu ao general Rubens Bayma Denys, então ministro-chefe da Casa Civil, que ajudasse a religiosa.
Católico, Sarney lembra que conheceu Irmã Dulce já no governo e que criou uma relação de admiração com ela: “Ela conversava sempre sobre a sua obra, sobre os pobres, a necessidade que a gente tinha de olhar as pessoas mais necessitadas, mais abandonadas. Cobrava que os governos fizessem a sua parte. Ela dizia que ela estava fazendo, mas que, ao mesmo tempo, sentia que não estava fazendo (o suficiente). Era missão que ela tinha recebido, de ter a vida de caridade”.
Doador de recursos para as obras da freira, Sarney foi homenageado por ela em seus anos de governo. Uma das alas de um hospital que ela construiu recebeu o nome do ex-presidente. “Tive a graça de Deus de conhecer, ser amigo, devoto da Irmã Dulce. Ela mesma era o próprio milagre. Era uma criatura tão frágil e tão forte, que teve tanta força, construiu tanto. Fez tanto pelos pobres. Ela já era a verdadeira expressão da santidade. A canonização da Irmã Dulce é apenas um gesto da igreja, porque santa, ela sempre foi”, diz Sarney.
Em 1988, Sarney indicou a freira para o Prêmio Nobel da Paz. O ex-presidente, que anda com uma medalhinha com a foto da Irmã Dulce no bolso, acompanhará a canonização em Roma e participará da cerimônia em Salvador.Em 1992, ao saber que a freira estava em uma situação considerada muito difícil, Sarney foi se despedir dela na Bahia. Ele conta que se ajoelhou e beijou seus pés: “Era a única coisa que podia fazer”. Ele voltou para o enterro da freira. Recebeu das mãos de Maria Rita, sobrinha dela, a bandeira do Brasil que envolveu seu caixão. Segundo ele, ela foi levada para um museu no Maranhão. Sarney pretende agora liderar um movimento pela construção de uma igreja em devoção à Irmã Dulce em seu estado.